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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

“A economia da educação não é um negócio” afirma Jorge Ferrão, antigo ministro da ...

Foto de Adérito Caldeira“Estes dois anos foram anos de muita pesquisa, de muita leitura e de muita auscultação para tentar saber porque é que nós saímos dos carris e procurar saber como é que poderíamos voltar aos carris” revela Jorge Ferrão em exclusivo ao @Verdade, numa primeira avaliação sobre o seu trabalho como ministro da Educação e de Desenvolvimento Humano. O agora reitor da Universidade Pedagógica fala ainda sobre a sua demissão e disse estar “profundamente feliz” com a decisão de estabelecer um livro único por disciplina de todas as classes do secundário “independentemente se isso vai afectar os negócios (…)A economia da educação não é um negócio e não podemos levar por esse caminho”.

O Professor Doutor Luís Jorge Manuel António Ferrão recebeu nesta terça-feira(06) as pastas do cessante reitor da Universidade Pedagógica (UP), o Prof. Doutor Rogério Uthui. No seu discurso começou por desculpar-se “pela invasão” pois “não poderia imaginar que um dia eu integraria, assim tão cedo, a equipa da Universidade Pedagógica”.

“As Universidades via de regra são instituições democráticas e na realidade procedimentos democráticos e transparentes tipificam as instituições de ensino no mundo inteiro, nós não fazemos diferente. A democratização das Universidades tem por pressuposto melhorar a sua governação e o seu desempenho, as instituições de ensino com os melhores índices de avaliação, os rankings, ou aquelas que almejam altos padrões de qualidade e reconhecimento elegem os seus chefes de turma, os directores de escola e os directores de faculdade. A comunidade académica participa e determina o futuro dessas instituições”, declarou Jorge Ferrão quiçá num recado para o Presidente Filipe Nyusi que o nomeou à margem de um processo de eleição que decorria na UP.

O antigo titular da Educação elencou alguns dos desafios para a instituição que agora vai dirigir, que é o maior estabelecimento de ensino superior de Moçambique com mais de 50 mil alunos, mais de 10 mil professores e que no passado dia 4 de Dezembro completou 31 anos de existência.

Foto de Adérito Caldeira“A formação de professores para o ensino secundário deveria merecer mais prioridade nos próximos tempos. Existem Institutos de Formação de Professores, que são os IFP´s, que formam professores para o nível primário porém, os professores do ensino secundário continuam ainda dependentes dos cursos ainda oferecidos por outras universidades. A Universidade Pedagógica poderia aprimorar estes cursos para o ensino secundário, assegurando igualmente o seu desenvolvimento curricular, desde que permanentemente seja discutida e estabelecida uma plataforma com o Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano”, sugeriu Ferrão.

O novo reitor propôs ainda que “que as inscrições, os exames e a divulgação dos resultados(da Universidade Pedagógica) fosse feita em parceria com o Conselho Nacional de Exames Certificação e Equivalências”.

Ainda com base na sua curta experiência de ministro da Educação, Jorge Ferrão afirmou que “a presença de estudantes da Universidade Pedagógica, dos últimos anos de graduação, em estágios regulares e mais prolongados nas diferentes escolas secundárias auxiliaria a redução e ausência de docentes em disciplinas das áreas de ciências naturais, sobretudo, como seria providencial na redução dos rácios aluno professor”.

“Discutiremos com o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano a possibilidade de transformar ainda algumas escolas primárias e secundárias por todo o país como escolas anexas a nossa Universidade. Assim asseguraríamos a gestão e provimento de equipamentos dessas escolas, o provimento de tecnologias de informação e comunicação, e igualmente o sistema de registo integrado. Iniciar esta proposta com cerca de 60 escolas seria sem dúvida uma mais valia para o sistema nacional de ensino. Poderemos ainda estudar propostas de co-gestão dos institutos de formação de professores, em parceria com outras Universidades, assegurando que os custos de gestão sejam dedicados aos gestores das escolas” acrescentou o novo reitor da UP.

Vamos assegurar que divisão da Universidade Pedagógica é bem feita

Questionado pelo @Verdade, à margem do evento, sobre a criação de novas universidades a partir da divisão da Universidade Pedagógica Jorge Ferrão declarou que “vamos continuar esse processo mas vamos assegurar que ele é bem feito. Porque se fazemos de forma apenas administrativa e não nos encaixamos dentro de uma filosofia académica podemos estar a fazer divisões que são erradas. A Universidade tem hoje uma expansão por todo o País então o que significa a Região Sul, a região Centro, a Região Norte, qual é a mobilidade que vamos estabelecer e qual é o factor de proximidade que vai facilitar a gestão de cada uma das unidades”.

“E mais, o que é que cada uma de nós vai oferecer ao grande público? Eu acho que se a ideia é só repartir e depois não tivermos uma filosofia e um consenso de base sobre aquilo que temos para oferecer de novo não teremos feito muita coisa” aclarou.

O @Verdade perguntou a Jorge Ferrão se sentia-se um intruso na UP, afinal até desculpou-se pela intrusão no seu discurso, mas o novo reitor explicou que “se eu não tivesse um percurso académico me sentiria mal, mas acho que estou na academia melhor do que em qualquer outro lugar que poderia estar, com experiência e vou dar a minha contribuição, acho que esta Universidade tem também um cordão umbilical ligado à própria educação, enfim é o possível e vamos fazer”.

“Os alunos entenderam que precisavam de trabalhar mais”

Sobre os motivos da sua demissão de ministro Ferrão mostrou-se visivelmente surpreendido, como todos os moçambicanos que não sabem as razões que motivaram o Chefe de Estado, mas não a questionou. “São as dinâmicas de governação, eu sou um servidor público e estarei sempre preparado para aquilo que acontecer. Se amanhã tiver que ir gerir uma escola primária também estarei completamente preparado e farei com muito agrado, de coração aberto” disse ao @Verdade.

Com alguma humildade Jorge Ferrão declarou, “Eu agradeço muito a Moçambique por me ter dado oportunidade de estudar, por me ter pago bolsas para ir estudar fora do País em diferentes Universidades e Países, por ter feito de mim um membro da Academia de Lisboa, então eu tenho a responsabilidade de trazer isso de volta e trabalhar”.

“Estes dois anos foram anos de muita pesquisa, de muita leitura e de muita auscultação para tentar saber porque é que nós saímos dos carris e procurar saber como é que poderíamos voltar ao carris”, começou por declarar quando instado pelo @Verdade a falar sobre o legado que deixa no Ministério da Educação e de Desenvolvimento Humano.

“A primeira grande questão, que sobretudo os pais pediram para rever, foi a responsabilidade na Educação. Avaliar um estudante e fazer com que o estudante se aplique para poder colher bons resultados. É verdade que mexemos no sistema de avaliação, deu nos resultados que deram mas os alunos entenderam que precisavam de trabalhar mais. E este ano, seguramente, que nós temos resultados melhores, por aquilo que já acompanhei temos mais 20 a 25% comparado com os resultados do ano passado, então começamos bem. E se isso continuar, significa que a gente pode apertar um pouco mais na questão dos exames para que os alunos respondam”, argumentou Ferrão.

“Podemos ter uma política de oferecer um livro mas sabemos que oferecemos um livro essencial, e não estamos a fazer negócio com a Educação”

Um dos motivos que se julga ter contribuído para a demissão está relacionado com o lobby das empresas que produzem os livros escolares que estarão a perder dezenas de milhões de dólares norte-americanos com as decisões de Jorge Ferrão. Todavia do antigo titular da Educação julga “que ter feito, e ter um consenso, para o estabelecimento de um livro único para cada disciplina de todas as classes do secundário é algo que me deixa profundamente feliz, independentemente se isso vai afectar os negócios. A economia da educação não é um negócio e não podemos levar por esse caminho”.

Foto de Adérito CaldeiraFerrão explicou ainda que “nós começamos uma revisão, depois de toda a discussão que tivemos, em que vocês os jornalistas também participaram, e vocês foram unânimes esses meninos da 1ª e 2ª classe eles têm que aprender a ler, a escrever e ter um tempo de convívio. Tinham cinco a seis disciplinas, cinco manuais, uma criança de sete anos tem uma pasta cheia de livros, parece um intelectual que não sabe ler. Então olhamos para aquilo e dissemos vamos reduzir isto para o essencial, eles vão passar a partir do próximo ano a ter Português, Matemática e vão ter Educação Física, e a escola passa a ser um local agradável para a criança porque ela sabe que vai a escola brincar, falar um pouco de português e vai fazer um pouco de exercícios para estimular o raciocínio”.

“Passa a ter dois livros, diferentes daqueles calhamaços que tinha, mesmo o professor para a ter um manual, dantes tinha seis manuais. Em termos de redução de gastos com o número de livros é também um fenómeno único, vamos continuar também para a 2ª classe, assim o espero, vamos continuar para a 3ª e assim nós podemos ter uma política de oferecer um livro mas sabemos que oferecemos um livro essencial, e não estamos a fazer negócio com a Educação, com livros etc. Então eu acho que esse foi o terceiro ganho e eu estou muito feliz com isso” aclarou.

Jorge Ferrão, o ministro da Educação que esteve menos tempo no cargo em Moçambique, não tem dúvidas que é os pais e encarregados de educação terem voltado a estar presente nas escolas. “Não faremos nada neste sistema se os pais não forem participantes activos neste processo”.

“Eu acho que esta é a primeira avaliação que eu faço sobre aquilo que aconteceu, eu próprio não tive oportunidade de fazer antes mas eu senti que nos dois anos os pais se começaram a preocupar. As nossas cerimónias de abertura do ano lectivo tem mais pais do que alunos, então o pai está na escola, quer saber o que vai acontecer. O pai hoje tem uma referência, e sabe que as aulas começam no 16 ou no 20 e terminam no dia x e nós estamos permanentemente a colocar isso na mente dos pais para que a dinâmica mude. Então ter os pais para mim é fundamental, e eu acho que continuará a ser fundamental para a educação no nosso País” disse.

“Se permitirmos que os pais de novo abandonem as escolas vamos viver de gente que critica o ensino, quando os pais estão presentes e vocês estão todos presentes vão criticar algo que vos pertence, então a crítica não faz sentido”, concluiu o ministro da Educação e de Desenvolvimento Humano.



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