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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Mulher e crianças continuam a levar porrada e pouco denunciam

A violência doméstica contra a mulher ainda é uma realidade nua, flagrante e dura em Moçambique, onde este mal pouco tem rosto de um homem. As vítimas só elas sabem e têm a dimensão da crueldade a que estão ou foram sujeitas nos seus alares. Eriqueta Cossa, de 45 anos de idade, desabafou ao @Verdade ter sido pisoteada e levado “muita porrada com o meu ex-marido” e mantinha-se em silêncio como se nada ocorresse. “Foram anos e anos a sofrer calada e sem coragem para contar a ninguém o que eu passava porque tinha vergonha e medo” de denunciar ou contactar uma esquadra.

Esta mulher narrou que o seu silêncio, que durava anos, só chegou ao fim no dia em que a irmã mais velha visitou a sua casa, de repente, e calhou que no dia anterior tinha sido brutalmente espancada pelo marido.

“Eu estava a cara inchada e a minha irmã olhou para mim e perguntou o que passava. Quando chorei [inconsolável] ela percebeu que eu não tinha alguns dentes. Ela também chorou e perguntou desde quando o meu marido me batia”, disse Eriqueta, que falava à nossa Reportagem num debate sobre “violência doméstica contra mulher e rapariga”, na quarta-feira (07), no bairro de Bagamoyo, periferia da cidade de Maputo.

A história desta mulher, que volvidos sete anos de separação ainda se emociona quando se lembra do que viveu lado do seu cônjuge, é apenas um fragmento, insignificante, do drama por que muitas outras mulheres passam nas suas casas.

“Fomos ao Posto Policial de Bagamoyo e o oficial nos atendeu ficou arrepiado”, rematou a senhora, anotando que quando o suposto agressor foi detido, não faltou gente que pretendia que ela retirasse a queixa.

Elisa Cossa é outra das várias vítimas que estiveram no encontro organizado pelo Movimento “Kulhuka” e o Fórum Nacional das Rádios Comunitárias (FORCOM), no âmbito dos “16 Dias de Activismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres”.

Com o rosto embebido de lágrimas, a senhora só conseguiu contar que o seu esposo a agredia fisicamente. “Eu dormia fora e quando eu fosse queixar no chefe de quarteirão ele ia atrás de mim, batia-me em público” e proferia ameaças de morte.

“Somos sobreviventes...”

Josina Machel, presidente do “Kulhuka” e filha da activista social Graça Machel, também relatou parte da sua experiência de violência doméstica, e disse que tanto ela como as outras mulheres com histórias de arrepiar são sobreviventes deste mal.

“Silêncio não! Mata, traz deficiência e traumas”, disse a activista lembrando aos presentes que também já foi esmurrada pelo namorado, tendo, como consequência, perdido o olho direito.

Ela apelou à sociedade para que, além de evitar a violência, transmita, sobremaneira, bons valores às crianças para que o mal a que nos referimos não prevaleça no futuro.

Mulheres que anulam queixas em defesa dos agressores

Alzira Manhiça, da Direcção do Género, Criança e Acção Social, no distrito Municipal KaMubukwana, disse que este ano foram registados 1.249 casos de violência doméstica contra a mulher, 678 e 230 envolvendo crianças e homens, respectivamente.

Segundo a senhora, há mulheres vítimas de violência doméstica que queixam às autoridades policiais, mas depois pedem a anulação do processo alegando os maridos não podem ser presos. “Este tipo de situações” concorrem para que “as mulheres continuem a sofrer maus-tratos”.

É também violento quem nega assistência aos filhos

Iraê Lundin, representante da Diakonia, classificou a violência doméstica como um assunto sério, cuja erradicação exige o envolvimento de todos os segmentos da sociedade.

De acordo com ela, não só violento aquele que bate, mas também quem nega prestar serviços de saúde, de educação e alimentação aos menores de idade, ou ao seu pai e encarregado de educação desprovido de condições para assegurar a sua própria sobrevivência.

Os números que ainda inquietam

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a violência doméstica, é uma prática comum em África, e Moçambique não é excepção. Os milhares de casos reportados, com destaque para atrocidade contra mulheres e crianças, “os números podem não corresponder à realidade do que se passa no país todo”.

Por vezes, “muitas vítimas” mantêm-se “no silêncio por necessidade de protecção do agressor ou considerar como uma situação normal”, ignorando o facto de os seus direitos estarem a ser violados e colocarem em risco própria “saúde física e psíquica”.

Para o INE, entre 2013 e 2015, os casos de violência doméstica aumentaram em “crianças de 0 a 17 anos de idade” e a provincial de Nampula, mas houve “redução de em casos de adultos”.

“Cabo Delgado registou menos casos. Em adultos, as províncias de Sofala, Maputo, Manica e cidade de Maputo apresentaram casos de violência doméstica acima de 5000”.

Entretanto, para os organizadores do evento acima referido, a violência doméstica, seja ela psicológica, moral, patrimonial, ou de qualquer outra natureza, deve ser combatida.



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