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terça-feira, 21 de março de 2017

Mais de 140 mil casos de doenças diarreicas mataram 47 pessoas em apenas 3 meses em Moçambique

Foto de Adérito CaldeiraDesde 2011 que a capital moçambicana não registava casos de cólera, porém desde Janeiro foram notificados 278 pacientes dos quais um acabou por perder a vida. O surto da chamada “doença das mãos sujas”, que eclodiu também na província de Nampula, de Maputo e na cidade de Tete, é apenas mais uma das doenças diarreicas que nos primeiros três meses de 2017 já infectaram 142.814 moçambicanos dos quais 45 morreram. O deficiente, e muitas vezes inexistente, saneamento do meio assim como a dificuldade de aceder a água potável canalizada são as causas principais a que se juntam a chuva que caiu significativamente e o acúmulo de portadores assintomáticos.

Carmen* tem cinco anos de idade e estava internada há dois dias no Centro de Tratamento de Doenças Diarreicas(CTDD) na companhia do pai. “Entrou grave mas já está estabilizada” explica ao @Verdade a doutora Amália Jamal que dirige este Centro instalado no Hospital Geral de Mavalane, na cidade de Maputo.

Antes de Carmen a sua irmã também esteve CTDD, “acho que ela apanhou da irmã que veio doente da escola(Primária do Jardim) com diarreia e a vomitar”, declarou o senhor Manhiça* enquanto tenta alimentar a sua pequena filha como a papa que acaba de ser servida.

Embora já esteja “estabilizada” a pequena vomitou e voltou a aconchegar-se na cama pouco confortável da enfermaria Plano A, para doentes em franca recuperação e com previsão de alta nos próximos dias.

Foto de Adérito Caldeira“No mesmo dia a noite tivemos que ir ao hospital José Macamo. Fizeram análises, deram soro mas fomos logo transferidos para aqui”, acrescentou Manhiça que assegura que a doença não foi apanhada na sua residência no bairro de Inhagóia, no distrito municipal de Kamubukwana, embora a casa de banho que usem não seja convencional e a água potável não lhes chegue canalizada até dentro da habitação.

Outro residente do distrito municipal de Kamubukwana, no bairro Luís Cabral, que encontramos no CTDD é o jovem Rachid, de 23 anos de idade, também internado há alguns dias. Vive com a namorada numa casa construída em caniço e coberta com zinco. A casa de banho é muito precária, apenas um buraco no quintal com alguns troncos a servirem de suporte e sem uma tampa. Água canalizada não tem, vai comprar numa residência próxima.

Contudo o jovem não acredita que tenha contraído a doença no lar. “Um dia depois de sair com um amigo regressei e depois de comer xima com magueguela comecei a lançar. Depois comecei a não conseguir andar nem tinha forças. Carregaram-me para o Hospital José Macamo e trouxeram-me para aqui”, relatou ao @Verdade acrescentando que tinha conhecimento que era preciso ter cuidado com a água mas “não está fácil ferver, depois quando chove a água demora a ir”.

O @Verdade entrevistou ainda, na enfermaria de plano A, a senhora Marta* que acompanha o seu filho de 12 anos de idade, haviam chegado ao CTDD dois dias antes com o adolescente “muito desidratado”.

Residentes no bairro de Maxaquene, no distrito municipal de KaMaxaquene, habitam uma casa de tijolos e cobertura de zinco, possuem casa de banho com fossa séptica e são clientes das Águas da Região de Maputo, a água canalizada chega através de uma torneira no quintal. Ainda assim não conseguiram evitar a“doença das mãos sujas”, mas senhora Marta foi peremptória não ficou doente lá em casa, embora "antes de virmos para aqui não fervíamos a água para consumir nem usávamos Certeza".

Todos os bairros suburbanos da cidade de Maputo são focos das doenças diarreicas

Foto de Adérito CaldeiraA jovem doutora Amália Jamal, que pela primeira vez dirige uma unidade de tratamento de doenças diarreicas, explicou que mesmo os cidadãos que tenham acesso a água canalizada devem observar as recomendações das autoridades de saúde, “quando a água chega a nossa torneira temos de tratar com Certeza ou ferve-la, não podemos pôr no copo directamente e beber”. É que muitas tubagem são vandalizadas ou muito antigas e, nesta altura em que há restrições no fornecimento da água, podem permitir entrada de agentes que a contaminam, depois quando a água volta a correr essas bactérias chegam até as residências.

A médica revelou que na capital moçambicana “os maiores focos estão no bairro de Luís Cabral a liderar, George Dimitrov (Benfica); Inhagoia A e B, Zimpeto, todos no distrito municipal de Kamubukwana. Depois temos no distrito municipal de KaMaxaquene os bairro Polana Caniço A e B, Maxaquene A e B. Depois também no Distrito de Nlhamankulu, nos bairros da Malanga, Chamanculo B, C e D, Xipamanine. Ainda no distrito municipal de KaMavota os maiores números de pacientes vêm do bairro do Ferroviário, da Costa do Sol e assim como do Pescadores. De uma forma geral todos os bairros suburbanos são focos das doenças diarreicas, só tivemos um caso do distrito municipal de KaMpfumo”.

Foto de Adérito CaldeiraA doutora Amália clarificou que a cólera é uma das várias diarreias agudas existentes no nosso País. “Doenças diarreicas são doenças infecciosas que podem ser causadas por bactérias, vírus, parasitas ou por fungos. Entre as doenças diarreicas causadas por bactérias a cólera é uma delas. Especificamos a cólera porque o grau de desidratação é muito grave”.

Os doentes não se dirigem directamente a um Centro de Tratamento de Doenças Diarreicas, “quando existe algum paciente com diarreia ou com um grau de desidratação numa das unidades sanitárias da cidade eles ligam-nos e enviamos a ambulância que vai buscar o paciente”.

À entrada do CTDD os doentes são alvo de uma pulverização ao corpo inteiro, os parentes não podem entrar no local apenas um para acompanhar mas que deverá também ser submetido às medidas de higiene. Após a triagem o paciente, em função da gravidade do seu quadro clínico é encaminhado para a enfermaria de plano A para os doentes estáveis e que conseguem alimentar-se, ou são internados nas enfermarias de plano B e C, se estiverem em com maior desidratação ou mesmo com cólera.

“Número de casos de diarreia aguda na cidade(de Maputo) em relação ao ano passado praticamente não mudou”

O Centro de Tratamento de Doenças Diarreicas funciona 24 horas por dia, com profissionais alocados de diferentes unidades da cidade, em dois turnos, um das 7h às 19h e outro das 19h às 7h. Existe ainda uma equipa fixa que está presente das 7h às 15h. Os profissionais de Saúde, ou outros visitantes como o @Verdade, são obrigados a trajar uma bata e botas de borracha que devem ser desinfectadas à entrada e saída. Após entrar em alguma das enfermarias é imperativo também lavar as mãos numa das soluções de clorito(água mais cloro) dispersas por todo o Centro.

Foto de Adérito CaldeiraQuestionada sobre as causas das diarreias agudas e cólera a doutora Amália Jamal detalhou. “Temos os portadores assintomáticos, que são aqueles que têm a bactéria no organismo mas não lhes causa uma infecção e pode ficar assim durante muito tempo. Quando usa uma destas latrinas(precárias), o grande vector é a mosca, elas pousam naquelas fezes e carregam a bactéria e vai pousar na água ou nos alimentos (mesmo os confeccionados se a mosca com o vibrião pousar lá). Depois segue-se o quadro de diarreias. O lixo é recolhido em algum momento através daqueles sistemas comunitários para os contentores mas em algumas casas no bairro de Luís Cabral o lixo encontra-se bem próximo aos alimentos e não é feita essa recolha, a comunidade não faz em si a recolha”.

Além disso, explicou a médica, este ano tivemos muita chuva em pouco tempo o que contribuiu para o alagamento dos solos nos bairros suburbanos, onde o sistema de saneamento não é o mais adequado. Por outro lado “verificamos na comunidade é que eles têm reservatórios mas não estão limpos e não têm tampa, este é um grande foco”.

Porém a doutora Amália esclareceu que embora este ano existam casos de cólera, que não eram registados desde 2011, a verdade é que “o número de casos de diarreia aguda na cidade(de Maputo) em relação ao ano passado praticamente não mudou. Nós abrimos o CTDD para melhor controle desses casos de diarreia porque em algum momento tivemos alguns casos suspeitos de cólera”.

Nas vésperas do Dia Mundial da Água, que é celebrado nesta quarta-feira(22), importa recordar que o acesso à água potável, e também ao saneamento, são direitos humano consagrado pela Organização das Nações Unidas, portanto o Estado moçambicano tem a responsabilidade primária de garantir a sua plena realização, o que não acontece nas periferias da generalidade das cidades capitais e muito menos nas zonas rurais.

As estatísticas oficiais indicam que a água potável canalizada só chega a 17% dos mais de 26 milhões de moçambicanos. Têm acesso a uma casa de banho convencional ligada à rede de esgotos apenas 3% da população, 14% possuem sanitas conectadas à fossas sépticas. O Plano Quinquenal do Governo de Filipe Nyusi propõe-se a aumentar o acesso à água canalizada ara 22% mas no que ao saneamento diz respeito o dramático cenário actual deverá manter-se pelo menos até 2019.

* Nomes fictícios para preservar a identidade dos menores.



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